.:Carta Aberta:.


AOS NOSSOS PAIS...

Faço parte de uma geração, cujos pais estão entrando nos 80 anos e, com filhos na faixa dos 20 a 30 anos, e mais, muitos dos da minha geração, já são avós. Embora, alguns de nós tenhamos passado pela dor de sepultar filhos, o natural é que sepultemos nossos pais. Algumas famílias, por terem se organizado muito cedo, desfrutam da alegria e a complexidade da convivência de algumas gerações debaixo do mesmo teto, isto é, tataravôs, bisados, avos, pais, filhos, netos, bisnetos e até tataranetos. Em muitos casos, esta convivência é saudável, pacifica, construtiva, mas, como em todas as relações, também, dolorida. Em outros casos, as relações são tensas o tempo todo e mais doloridas do que festivas. O fato é que, ser família não significa estar imune às dores e às complexidades da vivência humana. Por exercer a função pastoral, inclusive no contexto familiar, vivenciei ao longo dos últimos 30 anos as alegrias, as vitórias, as perdas, as dores de muitas famílias. Sepultei meus avós, minha sogra, pais e avós de amigos caríssimos. Me envolvi de maneira radical em algumas situações a ponto de sofrer junto com filhos e netos as enfermidades de seus pais e avós. Enfim, acumulei histórias que se fosse canta-las certamente daria um livro ou mais que um. No entanto, o que quero aqui é, resgatar em nós e a nós desta geração a reverência por nossos pais e avós. Sim, confesso, estou diretamente afetado com a morte do Pr. Caio Fabio D’Araujo, pai do nosso querido amigo Caio Fabio D’Araujo Filho e principalmente pela devoção demonstrada ao longo de tantos anos pelo Caio Filho ao Caio Pai. Essa ligação umbilical do Caio Filho com o Caio Pai, chamou-me atenção nestes últimos dias. Acompanhei, mesmo que de longe, os últimos 40 a 50 dias que envolveram a internação, cirurgia, melhoras e pioras até o seu falecimento na ultima sexta feira ( 14/09/2007 ) Acompanhei lendo os textos do Caio Filho, relatando cada dia, cada movimento, cada frase dita pelo Caio Pai, cada testemunho dos profissionais do hospital, as percepções do momento, o carinho, as comemorações das raras melhoras, a tristeza, a confiança, as interrogações, e tantas narrativas do que foram estes quase 60 dias. Orei, chorei, lamentei e também me alegrei com o modo como tudo foi encarado pelos mais próximos, digo, Dona Lacy, Caio, Suely e Ana. O que ficou para mim de tudo isto e especialmente desta reverência prestada ao Caio Pai, por seus filhos, esposa, netos, sobrinhos, amigos e irmãos é, COMO ESTAMOS REVERENCIANDO NOSSOS PAIS? Diante do fato irreversível que, se nenhum acidente de percurso acontecer, nós, os filhos, os sepultaremos. COMO TEMOS VIVIDO COM ESTES HOMENS E MULHERES, NOSSOS PAIS? O que sabemos deles? Quanto tempo dedicamos a eles? Quais são as memórias que guardaremos deles para sempre? Que valor temos dado a eles hoje, enquanto presentes entre nós? Quanto tempo temos gasto ouvindo suas historias? Qual cuidado efetivo eles tem recebido da nossa parte? Meu sogro, Antonio Bispo dos Santos, completou 90 anos e passou o fim de semana aqui em casa. Ele orou antes de almoçarmos no domingo e ele agradeceu por nós termos paciência com ele. Chorei ao ouvir sua oração, pois, pensei, eu é que tinha que agradecer por te-lo em minha casa e poder participar do cuidado dele. Meus pais, João Bregantim e Lourdes Martinelli Bregantim, que estão comigo no Caminho da Graça, vivem se desculpando por achar que de um modo ou outro estão me atrapalhando. Sempre que ouço estes pedidos de desculpas, retribuo com o que tenho dito a tantos, “GENTE NUNCA ATRAPALHA, AS COISAS SIM ATRAPALHAM”. Quanto mais vocês, nossos pais, nunca deveriam ter essa sensação de que estão atrapalhando, e jamais serem tratados como mobília velha que não se sabe onde colocar. Pensando e crendo assim, registro aqui minha reverência ao Caio Filho que me fez rever estes últimos dias a minha relação com meus pais e com os anciãos que vivem ao meu lado. Renovo meu amor e reverencia aos meus pais, meus tios e tias, meu sogro, com saudades da minha sogra a quem vi morrer. Registro aqui minha saudade dos meus queridos amigos anciãos que sepultei, alguns que foram pais para mim. Encorajo aqui aos meus filhos e a todos os meninos e meninas que lerem este recado a honrarem seus pais e avós. Reverencia-los. Amá-los. Cuidar deles. Ouvi-los. Repartir suas vidas com eles. Tratá-los com apreço e profunda afeição. Lembrem-se, eles logo não estarão conosco. Encorajo aqui os avos e pais a buscarem convivência amorosa, pacifica, paciente, alegre, sem ranhetices com seus filhos, netos, bisnetos. Encorajo aqueles que se agregam às famílias e se tornam parte delas que, honrem sogros, sogras e os anciãos que fazem parte da família que os recebem. Busquemos todos harmonizar a convivência. Busquemos todos o mutuo aprendizado. Busquemos todos mais desfrutar do que ranhetar no dia-dia entre jovens e velhos. Digo isto, sabendo que é assim que aprendemos no evangelho de Jesus Cristo. Digo isto também, sabendo que, nunca encontraremos uma família que seja perfeita e ainda mais com as novas configurações familiares, que nos insere num contexto ainda mais complexo. Mas, se aprendermos a honrar os nossos pais, os nossos avós, os nossos bisavós, enfim, os nossos queridos velhos, certamente, pisaremos um terreno menos espinhoso e nele poderemos caminhar, mesmo que às vezes lentamente, mas, caminhar cada dia e desfrutar de seres humanos cujas vidas quando partirem, nos farão muita falta e nos deixarão mais pobres como seres humanos. Sim, mais pobres, pois é assim que me sinto quando me lembro dos que já foram, embora, tenham deixado um legado, mas, não os temos mais e isto nada e ninguém poderá reverter.

Com reverência e carinho aos que ainda estão conosco e com saudades dos que já foram.

Beijos.

Carlos Bregantim

1 comentários:

Edemir Antunes disse...

Carlos,
graça, paz e bem!

É digno e justo fazer menções honrosas àqueles/as que marcam a nossa vida. Especialmente quando estas pessoas foram transformadas pelo Evangelho. Aproveito para trazer à minha memória os meus avós Cornélio e Cantidiana, já desfrutando do Descanso Celestial. A lembrança deles me alegra de uma maneira indescritível. Talvez aquilo que você está vivendo seja algo parecido com o que relatei.

Todas essas considerações me reportam a um sermão do meu amigo Luiz Carlos Ramos publicado neste ano. Esta prédica é fundamentada no texto de Cantares 8,6: O amor é forte como a morte. Ele afirma o seguinte:

“O texto do Cântico dos Cânticos – ‘O amor é forte como a morte’ (Ct 8,6) – nos apresenta as duas maiores forças da natureza: o amor e a morte – Eros e Thanatos. Só há uma força capaz de tentar matar o amor: a morte – que nos separa das pessoas que amamos. Entretanto, há uma única força capaz de sobreviver à morte: o amor – porque o fato de nos separarmos de quem amamos não nos impede de continuar a amá-lo/a. O amor sobrevive à morte porque continuamos amando a pessoa que morreu. E, no nosso amor, ela continua a viver. Nós o/a amamos, e por isso sabemos que ele/a viverá para sempre. Que Deus no ajude a honrarmos a sua memória. Amém.”

Que você seja fortalecido nesse momento. Que o Espírito Santo sopre sua vida a alegria de ter pessoas queridas por perto, mas principalmente guardadas debaixo de sete chaves... dentro do coração.

Um forte abraço,
Edemir